sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Execução de camelô é símbolo da institucionalização midiática da barbárie

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Estou impressionado com o silêncio em relação à execução de um camelô, ontem, durante mais uma ação tresloucada da polícia paulista. Ele se chamava Carlos Augusto Muniz Braga. Tinha 30 anos.

Os jornais paulistas deram o tema de forma discretíssima. Com chamadas telegráficas de capa. Muito aquém da importância do episódio, que gerou sucessivas barricadas em protestos de comerciantes contra a polícia.

E que teve um homem morto. Sim, um homem que trabalhava no comércio informal. E que não deveria levar o rótulo de "pirata". Piratas são os grandes contrabandistas. Não aquele que vende algo para sobreviver. Não o Carlos.

Evidente que, se a decisão do poder público (com prioridade questionável) é combater a pirataria, enfrentar camelôs constitui o método menos eficiente possível. Retirar mercadorias que serão repostas significa enxugar gelo. Com a violência contra trabalhadores como consequência.

Não fosse covarde, a polícia (a Secretaria de Segurança Pública, o governador) estaria investigando, no mínimo, os grandes depósitos de mercadorias. Antes deles, a rota do contrabando. E os contrabandistas de colarinho branco. Vários deles, bem conhecidos.

Somente uma sociedade muito ingênua - ou com má-fé - pode achar que esse tipo de operação pode acabar com o crime organizado. Se falamos de enxugar gelo podemos também falar do mito de Sísifo - aquele que tinha de empurrar uma pedra até o topo da montanha, de onde ela rolava de volta.

Jornalistas costumam ser bons propagandistas de tarefas de Sísifo - intermináveis. Ao não buscarem os problemas estruturais do país (e do mundo), ao vigiarem apenas erupções, consequências, e não os grandes temas geradores de desigualdade e violência.

Não por coincidência, dois jornalistas do SporTV foram particularmente cínicos e insensíveis com o goleiro Aranha, ontem, durante jogo do Santos com o Grêmio. Para não dizer coniventes com o racismo dos torcedores. Como se fosse ele o algoz, e não a vítima. (Olho para a foto de Carlos, por sinal, e vejo que ele era negro.)

No caso dos editores dos jornais, eternamente distraídos no que se refere aos direitos humanos, fico pensando no critério utilizado para minimizar a notícia da execução de um trabalhador, seguida de uma batalha urbana. Penso que alguns trabalharam comigo, com alguns eu já terei até compartilhado alguma mesa de bar.

Em que momento se naturaliza a barbárie? Mais especificamente, a barbárie institucionalizada, que depende do aval dos meios de comunicação? Em que momento um jornalista considera - no mínimo por sua passividade - que Carlos deveria ser morto?

Notem que não estou falando, aqui, da imprensa sensacionalista. Esta, por ironia da história, tem-se demonstrado mais atenta ao caso. Não tem cacoete de ir atrás da contextualização, de uma discussão mais elaborada, mas ao menos esboçou algum luto, alguma exclamação.

A grande imprensa parece estar sedada. Conformada. Um fotógrafo perdeu o olho por essa mesma polícia paulista, em 2013, e achamos que não é com a gente. Um vendedor de DVDs foi executado. E fazemos de conta que é ele o pirata.

Retirem as vendas, senhores. A injustiça somos nós.

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