segunda-feira, 21 de maio de 2012

Piadinhas sobre Xuxa são o riso nervoso de uma sociedade doente
 
por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
Penso, logo deploro. O projeto do ser humano de viver em sociedade revela-se diariamente algo mal resolvido. À desigualdade econômica (1 bilhão de pessoas passando fome, bilhões de pobres) soma-se a miséria cultural – e ética. Cinismo e ignorância caminham juntos na celebração de um gigantesco fracasso coletivo.
 
Faço estas reflexões amargas a propósito da reação de muitos desses seres humanos a uma entrevista da apresentadora Xuxa, veiculada neste domingo, no Fantástico. Ela contou ter sido abusada sexualmente quando criança, até os 13 anos. Por três homens.
 
A escória da humanidade, muito bem espalhada em terras brasileiras, logo se pôs a fazer piadinhas. Troças. Comentários jocosos. Irônicos. Debochados. Céticos.
 
A escória ri o seu riso nervoso. Não se trata de um riso saudável, libertador. Mas da própria expressão da barbárie perpetuada, do mencionado fracasso histórico (de um ponto de vista igualitário), de uma sociedade essencialmente doente. E culpada.
 
Deploro todos os males do capitalismo, sua essência espoliadora. Mas sigo longe de acreditar que a exploração do homem pelo homem seja uma exclusividade desse sistema econômico. Este é apenas uma consequência da incrível capacidade que os piores exemplares de nossa espécie têm para se perpetuar – seja em regime capitalista, feudal, escravocrata ou socialista.
 
Esses predadores dos próprios semelhantes espalham-se com o sorriso no rosto.
 
Cada pessoa que ri do drama de Xuxa é, ao mesmo tempo, o carrasco e o traficante de escravos, é Gengis Khan e Paulo Maluf, Adolf Hitler e o empresário boçal da próxima esquina, Stalin e o deputado patife, é o invasor, o espoliador, o assassino. E é também o estuprador - o homem que abusa.
 
Essas pessoas sabem disso. Sabem que são esse projeto falido. Não racionalmente, mas sabem. Por isso esse riso nervoso.
 
Esse riso de cumplicidade, de anuência, de quem não conseguiu salvar as próprias crianças, esse riso de derrota disfarçada de vitória. Esse escárnio de quem não acredita que algo possa mudar para melhor – esse riso que acusa a falta de utopia.
 
É pensando em todas essas bocas escancaradas, cheias de dentes, que invoco Raul Seixas. Ele também fez seu Aleph, o ponto de todos os pontos, consagrado na literatura pelo argentino Jorge Luis Borges. Está na música Gita: “Eu sou a luz das estrelas/eu sou a cor do luar..”
 
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Um comentário:

Gabriela F Bevilaqua disse...
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