sábado, 17 de março de 2012

Adeus a Aziz Ab'Saber afirma seu papel na história política do Brasil
 

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)
 
O velório de Aziz Nacib Ab'Saber na Cidade Universitária, na noite de sexta-feira, teve centenas de pessoas. A maioria delas, estudantes de Geografia. Em segundo lugar estavam os geógrafos – professores da USP, ex-alunos de Aziz. Em meio aos demais, um grupo chamava atenção: o dos políticos. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) e o deputado Ivan Valente (PSOL-SP) compareceram para homenagear o geógrafo. Suplicy fez um discurso emocionado, assim que chegou o caixão. E falou de política.
 
Ele ressaltou a participação de Aziz nas Caravanas da Cidadania. Elas foram um capítulo importante da história do PT e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante o governo Collor, o Instituto Cidadania organizou o Governo Paralelo, onde expoentes da academia somavam-se aos políticos na fiscalização do poder. Entre eles estavam Aziz Ab'Saber, Antônio Cândido e José Gomes da Silva. Essa experiência desembocou nas Caravanas da Cidadania.
 
Entre 1993 e 1996 foram realizadas cinco caravanas. Elas percorreram 359 municípios e 26 estados brasileiros. Em 2001 seria realizada uma caravana temporã – em 47 cidades de sete Unidades da Federação. Lula e Aziz conviveram diretamente na primeira rodada dessa experiência, ao mesmo tempo geográfica e política. Suplicy participou de três delas. Erundina, de uma. Eles contam qual era o papel de Aziz Ab'Saber nessa história: o de professor.
 
- Aziz foi professor do Lula – disse Suplicy ao blog Outro Brasil, enquanto aguardava a chegada do corpo do geógrafo. - Sou testemunha disso. Eu assisti a essas aulas, que se davam na caatinga, ao longo do Rio Negro, na Amazônia. O professor Aziz nos ensinava sobre a geografia brasileira, explicando o que acontecia com a floresta amazônica, com o cerrado, quais os cuidados que deviam ser tomados.
 
O senador repetiu essa e outras histórias de Aziz ao tomar a palavra, emocionado, diante do corpo do amigo. E fez muita gente chorar. Luiza Erundina tinha ido embora pouco antes. Ela confirmou a participação decisiva de Aziz nas caravanas. “Era incrível a sensibilidade dele com a natureza”, conta. “Cada elemento da natureza era um pretexto para ele dar uma aula. Sempre com simplicidade e com fidelidade aos seus ideais. Não era um cientista descolado da realidade. Ele era um ativista, um homem que sonhava”.
 
O velório de Aziz Ab'Saber - morto aos 87 anos, de ataque cardíaco - foi realizado no Salão Nobre da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) – onde era professor emérito. Uma entre as dezenas de coroas de flores levava os nomes de Lula e Marisa. João e Janete Capiberibe, políticos do Amapá, também enviaram flores.
 
Lula esteve presente na cerimônia em que Aziz foi nomeado professor emérito da FFLCH, em 2000. Na época Aziz entrou ao som da música “Levantados ao Chão”, de Chico Buarque e Milton Nascimento:
 
Como então? Desgarrados da terra?
Como assim? Levantados do chão?
Como embaixo dos pés uma terra
Como água escorrendo da mão?
Como em sonho correr numa estrada?
Deslizando no mesmo lugar?
Como em sonho perder a passada
E no oco da Terra tombar?

 

O geógrafo criticou naquele dia as privatizações, a globalização e as elites do Terceiro Mundo. Mas não se definiu como político – ao menos no sentido partidário. “O cientista tem de estar longe dos problemas partidários, étnicos e religiosos”, disse, à Folha.

UMA VISÃO ESTRATÉGICA
 

Dos problemas políticos, porém, ele não ficou distante. “Ele ficou conhecido na Geografia pelos estudos em geomorfologia, mas sempre teve uma visão estratégica do território”, informa o professor Antonio Carlos Robert Moraes, especialista em formação territorial no próprio Departamento de Geografia da USP.
 

Moraes enfatiza isso para ampliar a imagem mais conhecida, a do pesquisador expoente em Geografia Física. “Ele fez diálogo com gente de fora da Geografia. Com economistas, arquitetos. Convidou muita gente no então Instituto de Geografia para falar de divisão logística do Brasil. Não falava só sobre os quadros naturais. Tinha uma publicação só sobre planejamento”.

Em entrevista ao Roda-Vida, em 1992, Aziz afirmava: "A‎o aplicar ciência ele (o cientista) já é um político, mesmo que não esteja em partidos".


O próprio Lula emitiu nota, nesta sexta-feira, exaltando a influência de Aziz Ab'Saber em sua formação. “Seu profundo conhecimento da geografia e seu compromisso inabalável com o povo brasileiro foram fonte de inspiração para todos nós", afirmou o ex-presidente. “Juntos, percorremos todos os cantos do Brasil, conhecendo a diversidade do nosso país e do nosso povo. A presença do professor Aziz, com sua inteligência e sabedoria, transformou essa experiência em algo extraordinário."
 

A nota assinada por Lula e Marisa – veja aqui a notícia no portal G1 - diz que a presença de Aziz, “sempre ativa, crítica e opinativa foi fundamental e ajudou a construir muitas das políticas públicas brasileiras”.

Essa trajetória não ocorreu sem atritos. Durante a formação do governo Lula, Aziz percebeu que os intelectuais tinham ficado de fora. A justificativa de Lula a ele foi a seguinte: “Intelectual não dá voto”. Aziz não gostou nada. E manteve a sua independência em relação ao governo. Não gostava da ministra Marina Silva, por exemplo.
 

Suplicy conta que tentou aparar essas arestas. Mas Aziz não a aceitava como ambientalista. “Ela não conhece o Brasil”, disse, ao comentar, no Estadão, em 2010, a candidatura dela à Presidência. “É uma mulher do Acre, uma pessoa que acredita no criacionismo. Ela é ela, e acabou”.
 

Por outro lado, a influência de Aziz sobre Lula provocava ciúmes entre sindicalistas. Estes o chamavam de “professor sabe-tudo” - fazendo trocadilho com o sobrenome Ab'Saber. Nada que fosse muito distante de mesquinharias embutidas no processo de formação do PT, que teve essa bifurcação entre acadêmicos e sindicalistas – estes, hoje, encastelados no poder.
 

O CIENTISTA E O CÓDIGO FLORESTAL
 

Nos últimos anos, Aziz Ab'Saber foi uma das vozes críticas ao Código Florestal. “O Código Florestal está errado no nome”, afirmou, em 2011, conforme o Jornal da Ciência, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). “Em vez de Código Florestal, precisamos é de um Código da Biodiversidade. Pois o Brasil tem caatinga, tem cerrado, tem mata atlântica e outros.” Ele disse que a nova lei beneficia as classes sociais privilegiadas.
 

- É preciso explicar isso para os jovens que estão começando, a estudantes dos ensinos secundário e fundamental, o que isso significa para o País. Como uma pessoa que tem 500 mil hectares de área da Amazônia pode cortar 80% disso?
 

A própria participação de Aziz Ab'Saber na SBPC – da qual era presidente de honra - é ressaltada por Antonio Carlos Robert Moraes como exemplo de sua participação política. A SBPC era um bastião de resistência à ditadura. “Ele teve uma participação cada vez mais à esquerda ao longo de sua vida”, analisa. “Não que ele fosse de direita no início. Mas foi adquirindo consciência social com o tempo. Ao contrário de muita gente que fez o caminho contrário”.
 

LEIA MAIS: O Aziz geógrafo e o Aziz professor: histórias de um apaixonado pela USP

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