quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A batalha (virtual) de Belo Monte – parte III

por ALCEU LUÍS CASTILHO (@alceucastilho)

Em meio ao debate quase binário na internet sobre a usina de Belo Monte, e aos vídeos de propaganda a favor ou contra o projeto, conforme mostramos na parte I e na parte II, um caso específico chama a atenção: o projeto “BeloMonte- anúncio de uma Guerra", da companhia Cinedelia. Em poucos dias as cenas de divulgação de um filme ainda irrealizado motivaram rapidamente uma mobilização. Motivo? A finalização do filme – contrário a Belo Monte - estava ameaçada. Por falta de dinheiro.

Os produtores resolveram fazer a coleta pela própria internet. O resultado, na manhã desta quarta-feira, era o seguinte: por meio de doações de 3.005 pessoas, o valor de R$ 114.000 para a fase final da obra já tinha sido ultrapassado, a 15 dias do fim da campanha de arrecadação. Essas 3 mil pessoas doaram R$ 121.763, suficiente também para a disponibilização do filme - pela internet.

A arrecadação continua, pois esse dinheiro não é suficiente para levar o filme às salas de cinema “do Brasil e do mundo”, segundo os organizadores. “Portanto, quanto mais dinheiro conseguimos juntar, maiores as chances de o filme ter impacto real na sociedade”.

A opção política dos produtores é clara: “Escolhemos o financiamento coletivo, pois, mais do que um filme, queremos fazer disso um ato político da sociedade, uma luta pelo acesso à informação e pelo direito de participar das decisões do país”, afirmou Digo Castello, que coordena a arrecadação.

É exatamente por esse motivo que destaco este caso em post específico. Pois é disso que se trata – de direito à informação. E não de qualquer conjunto arremedado de informações chinfrins (para utilizar o adjetivo preferido de Graciliano Ramos), mas de informações substanciosas, capazes de promover um debate mais encorpado - nacional e internacional - sobre o assunto.

As imagens iniciais do filme sugerem essa qualidade. O diretor André D’Elia gravou 120 horas de película, com 87 entrevistas feitas em três expedições ao Xingu. Documentou cinco protestos. O triângulo São Paulo-Brasília-Altamira foi o escolhido para as gravações: poder econômico, poder político e a população a ser atingida.

UM BRINDE À CULTURA

Até escrevermos este texto, 986 pessoas tinham doado R$ 10,00 cada. O nome delas vai aparecer nos créditos do filme. Outras 910 pessoas doaram R$ 30,00 – terão o nome nos créditos e acesso antecipado à obra – na ocasião do lançamento, na própria internet.
 As 187 pessoas que doaram R$ 80,00 cada terão tudo isso mais um acesso a fotos exclusivas feitas por André D’Elia no Xingu. Outros 117 apoiadores terão ainda direito a um vídeo exclusivo sobre os índios do Xingu.

Doze pessoas decidiram ainda ganhar um pôster – e doaram R$ 500,00 cada. Outras oito doaram mais de R$ 1.200,00, e levarão uma obra de arte produzida pelos grafiteiros Crânio e Mundano, com temática da floresta. Somente as duas últimas opções, de R$ 5.000 e R$ 15.000, não motivaram doações.

O diretor André D’Elia define o filme como “sério e investigativo, sem medo”. “Somos totalmente independentes, não temos rabo preso com ninguém”, afirma, no vídeo de divulgação. A realidade das comunidades indígenas e os problemas sociais decorrentes do projeto são abordados. “Altamira não pode ser transformada num cabaré da usina”, diz um dos moradores. Pelas imagens, eles ganham cara, voz, coração - deixam de ser apenas estatísticas.

Estamos aqui diante de um fenômeno que pode se tornar uma tendência. Assim como muitos brasileiros têm-se reunido para contratar diretamente shows de seus artistas preferidos, outros optaram, neste caso (seguindo a lógica do coletivo Catarse), por apoiar um filme com uma determinada temática – e uma causa. A opção é ao mesmo tempo cultural e política, portanto. O impacto disso transcenderá, em muitíssimas milhas, as fronteiras de Altamira.

No próximo post tentarei fazer uma reflexão sobre esse “debate virtual” em torno de Belo Monte – a partir destas três postagens iniciais. E o quanto ele aponta determinadas dificuldades (e tendências) no debate político brasileiro.O caminho ainda é longo para podermos definir todo o processo como, efetivamente, "democracia".

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